Editorial

As exposições multimídia que publicamos têm sido bem sucedidas em relação à articulação da prática artística enquanto pesquisa. Elas permitem romper as frequentes relações hierárquicas entre as mídias e o texto, como também, a dominante estrutura linear da escrita acadêmica fazendo a forma artística desempenhar um papel no campo da publicação da pesquisa e da disseminação. Entretanto, tais exposições são problemáticas não só quanto ao processamento dos recursos computacionais (em termos de conexão de internet e de energia da computação), mas também difíceis por serem pouco estandardizadas para os leitores que necessitam de auxílio para acessar o website através de softwares (tais como os que convertem o texto escrito em áudio, ajustam cores e contrastes, e auxiliam na navegação, etc.)  o que dificulta a interação.1 O risco é que essas exposições, apesar de incluírem materiais artísticos e modos de fazer, também excluem partes dos potenciais leitores pelas razões de acessibilidade.

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Deste volume em diante, as exposições que o JAR publica terão um atributo adicional, as páginas acessíveis, que podem ser abertas através do site do JAR como também pelo item ‘alterne para' do menu do conteúdo das exposições. Essas páginas acessíveis são lineares, derivadas do texto unicamente das exposições originais,  e suplementadas com hiperlinks com seções descritivas. A proposta é que as imagens mentais, afetam, e geralmente, o sentido pode ser estimulado por uma abordagem do significado literário e poético mesmo que o material da fonte esteja suprimido e não acessível em determinado momento. Esta abordagem levanta um número de questões complexas de ordem técnica, conceitual e artística, o que nos levou a protelar a introdução das páginas acessíveis. Eu gostaria de  enfatizar, entretanto, que em todos os sentidos esta implementação é um trabalho em progresso, pelo qual agradeceríamos muito de receber sugestões, ideias e feedback através do formulário, não somente daqueles que dependem de tais páginas. Como elas podem ser melhoradas?

Se falamos sobre páginas originais e derivativas deveríamos ter em mente que desde o início, em geral, as exposições que publicamos já eram consideradas derivativas e não originais.2 Na maior parte dos casos, até mesmo as exposições multimídia permitirão uma experiência limitada e materialmente empobrecida do trabalho artístico: uma reprodução digital não é a mesma coisa que uma pintura, uma gravação em estéreo não é a mesma coisa que um concerto performance, um site não substitui as experiências sociais, incorporadas da arte interativa etc. A posição do JAR no campo não era de que a prática artística  poderia ser representada por alguma espécie de cópia digital; mas ao contrário, que através das exposições traços materiais poderiam ser reunidos para articular a contribuição epistêmica da arte. Esta é a razão chave porque as exposições multimídia são importantes e realmente provaram ser modificadoras do jogo.

Ao mesmo tempo — e temos de dizer isto como uma (auto) crítica — os objetos midiáticos nem sempre fazem o trabalho que deveriam, ou nos é difícil prestar atenção e percebermos o que está acontecendo, isto é, como uma exposição articula a prática enquanto pesquisa.  Isto não significa que essas contribuições não sejam valorosas para o JAR e sua comunidade; apenas significa que as exposições podem ser mais ou menos ‘exposicionais' e que a exposicionalidade é difícil de ser apreendida.3 E mais, e apesar de todo nosso esforço, através dos anos, um ‘estilo’ se desenvolveu que parece sugerir que uma certa distribuição das mídias e elementos textuais na página da internet é mais vantajoso independentemente de suas qualidades exposicionais.4 Podería- se arguir que algo semelhante a ‘estilo' pode ter sido estabelecido por si próprio, e que as exposições se tornaram ‘originais' por direito próprio.

Mesmo que não tenham sido introduzidas com este propósito, as páginas acessíveis desafiam esta situação, pois cada submissão se apresenta lá ao menos duas vezes, como páginas ‘originais’ e como ‘acessíveis’ colocando pressão nas páginas ‘originais’ como a única forma de exposicionalidade. Da perspectiva prática do autor (ou editor) o problema seria experienciado da seguinte forma: como a parte textual é extraída e situada em uma forma linear, quais elementos adicionais são necessários para fazer este trabalho derivativo dentro das limitações das páginas acessíveis? Nesta edição do JAR, nós experimentamos com descrições textuais nas caixas cinzas com os hiperlinks que se dirigem aos elementos multimídia da página original, mas no futuro o trabalho exigido talvez não se contenha na introdução de mais aparatos que enquadram.5 Em nossa curta experiência com as ‘páginas acessíveis’, já ficou claro que páginas multimídia podem ser perdidas a grande custo (e isto pode ser verificado), mas o mais importante é que os textos descritivos não apenas tentam suplantar este déficit mas podem acrescentar valor adicional. Isto se inicia com uma especificação da localização do objeto midiático no fluxo do texto, potencialmente criando um sentido mais claro de interrupção; e pode prosseguir com descrições que explicam de maneira mais tangível, em um outro nível, como a exposicionalidade é reencenada na exposição. Isto pode incluir o que usualmente são consideradas como sendo as partes mais subjetivas da experiência, tal como nós vemos X em relação a Y guiando o leitor através de um modo particular de experienciar a exposição. Aqui, então, temos os mesmos blocos de construção que permeiam todas as exposições derivativas: que elas tratam de articular o que é ausente, seja a prática multimídia de estúdio ao criar uma página da internet, ou a página de internet multimídia nas ‘páginas acessíveis’.  

Por experiência eu sei o quão enriquecedora e produtiva as exposições podem ser para a prática da arte e da pesquisa. Entretanto, ao trabalhar nas páginas acessíveis com esse propósito, fiquei surpreso de experienciar como algumas poucas linhas descritivas podem modificar meu entendimento de um elemento, esclarecendo uma intenção e colocando um foco. Estando tão familiarizado com todas as exposições deste volume de todas as formas, é talvez difícil apreender como as páginas acessíveis trabalham sem nenhum suporte de qualquer mídia, e estou convicto de que melhorias são possíveis — mas gostaria de afirmar que todas as derivativas possuem suas disponibilidades, e uma nunca substitui por inteiro a outra. Deveríamos não só aceitar que há uma tensão entre tipos de páginas em uma exposição, mas também que quando consideradas em grupo, um entendimento mais completo pode emergir mitigando em um certo grau o status que as 'páginas originais’ possuíam. Neste sentido, tanto as páginas ‘originais’ quanto as ‘acessíveis' são co-originais e co-derivativas ao mesmo tempo, o que em termos de exposição soa verdadeiro para todos os campos da prática.6

Finalmente, gostaria de expressar meu agradecimento ao autores deste volume. Tínhamos decidido tardiamente no processo editorial ir adiante com as páginas acessíveis para ainda solicitar um outro e inesperado estrato de trabalho. Fiquei sensibilizado como todo mundo entendeu a necessidade desta iniciativa e o quanto de maneira pragmática todas as questões puderam ser resolvidas. Meu agradecimento a Casper e ao time do Research Catalogue, RC, como também à Society for Artistic Research, SAR, pelo auxílio e apoio. Adiante, integraremos as páginas acessíveis numa etapa anterior ao processo de revisão, mas não exigiremos que sejam construídas pelos autores, especificamente não na hora da submissão. Também não pretendemos solicitar que as páginas acessíveis sejam avaliadas pelos avaliadores. 

Michael Schwab
editor chefe

  • 1Como está, páginas acessíveis oferecem uma solução em respeito a três diferentes tipos de uso:
    1. Em muitas partes do mundo a forma de acesso à internet é por meio de celulares e não através dos computadores; o que implica em telas diminutas, e banda de conexão fraca, além do custo de transmissão’;
    2. Muitas pessoas acham difícil o acesso dada a maneira como as páginas da web operam, em particular aquelas para as quais é necessário o suporte seja em relação ao software seja em relação ao hardware, mas também se essas pessoas precisam nas páginas de um maior foco ou abordagem seletiva da tela de leitura, incluindo a possibilidade de poder imprimí-las;
    3. Além dos indivíduos, as bibliotecas e serviços de indexação acham difícil o acesso, a avaliação e arquivamento de sites multimídia; o que prejudica a inserção do JAR nas indexações, por exemplo, como o web of science ou scopus, e estas razões formais acabam desvalorizando o trabalho dos pesquisadores artísticos.
  • 2Para uma leitura mais aprofundada sobre a introdução à exposicionalidade leia: Schwab, Michael. 2019. “Expositionality.” In Artistic Research. Charting a Field in Expansion, editado por Paulo de Assis e Lucia D’Errico, 27–45. London and New York: Rowman & Littlefield. O capítulo pode ser baixado do Research Catalogue aqui: https://www.researchcatalogue.net/profile/show-work?work=790463
  • 3Nós especificamente solicitamos aos avaliadores no formulário de avaliação que ponderem a exposicionalidade da submissão. https://jar-online.net/sites/default/files/2023-03/JAR_Peer-Review_Form_2023.docx
  • 4Veja a discussão sobre isto no último texto editorial do JAR: https://jar-online.net/en/issues/31
  • 5Veja no texto editorial do JAR28 para uma melhor noção sobre os vários 'dispositivos de enquadramento' das exposições: https://jar-online.net/en/issues/28
  • 6Devemos também incluir as exposições multilíngues dentro das derivativas; pois ambas são publicadas simultaneamente, ficando impossível distinguir a original de sua derivativa (tradução).

Controlled Rummage Approaches for Bummock: Tennyson Research Centre

Sarah Bennett, Andrew Bracey, Danica Maier

'Bummock: Tennyson Research Centre' is an artistic research project involving three artistic researchers: Andrew Bracey, Danica Maier and Sarah Bennett. A bummock is the unseen — submerged — part of an iceberg, and comprises the largest volume of ice, compared with the tip — which is visible above the surface of the water. Likewise, archives hold more items than are commonly viewed or accessed. In Bummock, we choose to bypass the catalogue to engage with materials directly, establishing a 'controlled rummage' method as an alternative approach to standard archive access practice.

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Da imagem ausente

Ludgero Almeida

O projeto apresenta-se como uma investigação centrada nas reverberações da prática artística diante dos arquivos institucionais e privados e de imagens e objetos-vestígios encontrados no Vale do Ave (Portugal), relacionados à história, ao imaginário e à memória do itinerário do algodão e da indústria têxtil algodoeira neste território.

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From the abyss to the afterglow: On the practice of vibrant contemplation as a mode of artistic research

Luiz Zanotello

Through a form of critical autoethnography, this study diffracts aspects of the author’s artistic practice through the intimate process of mourning to delineate a particular mode of knowledge production within artistic research that queers the relationship between the inside and outside of epistemic and ontological perspectives. The first section considers the abyss as a figure between grief, the unknown, and modes of knowledge production within artistic research.

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N-fold Exposures - Non-Photography, Aleatory Materialism, Images without Objects

Stefan Paulus

In classical photography, analog double or multiple exposures are considered as an accident, a mistake, or unaesthetic. But the accidental blending of different places and times in a photo holds the possibility to detect the unknown, the unconscious, to speculate about co-incidence or to experience immanence. This article goes on the traces of an ontology resp. a non-onto-photo-logical description of n-exposures with Francois Laruelle’s non-philosophical visual aid as well as the philosophy of Althusser, Deleuze and Guattari.

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Your Digital Graveyard: Sound, Toilets and Participatory Post-Internet Practice in Scrape Elegy

Gabby Bush and Monica Lim

Scrape Elegy is a participatory multimedia art installation designed as a critical exploration of our presence on and engagement with social media. The work uses sound, a physical installation in the form of a pink public toilet, and participatory practice through visitors’ Instagram accounts. It joins the postmodern art procession of toilet-based installations and plays on the aesthetics of the banal (Maffesoli 1999) as a critique of society, much like such works as Maurizio Cattelan’s America (2016) and Gelitin’s Locus Focus (2004).

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