As linhas que se seguem têm como objectivo dar a conhecer o projecto RIACT e partilhar os motivos que o fizeram eclodir. A RIACT é uma nova revista no âmbito da Investigação Artística (I. A.) que abrange um vasto conjunto de expressões artísticas, preparada para receber e disseminar artigos relacionados com a especificidade da I. A., ou seja, artigos que se enraizem na prática artística e que desta façam derivar as noções que orientam a reflexão produzida. Neste sentido, não privilegia textos com características exclusivamente estéticas, filosóficas, históricas, sociológicas, ou outras congéneres, excepto se estas orientações extra-artísticas surgirem embebidas numa proposta substancialmente prática (material ou imaterial), expressiva e experimental.
Por outro lado, a RIACT também está preparada para receber e disseminar propostas artísticas que se apresentem como um entrelaçamento entre investigação e criação, isto é, projectando e enfatizando essa característica nuclear da I.A. que aspira a transformar e a desdobrar determinadas propostas artísticas em duas valências: por um lado, a expressão artística enquanto proposta soberana e autosuficiente (que nos permita dizer que as obras de arte ou as situações artísticas “falam por si mesmas”); por outro lado, a elaboração de um plano investigativo passível de exposição aos outros através do discurso falado e escrito.
A RIACT é efectivamente um espaço editorial e expositivo que oscila entre a produção e a explicitação possível da mesma, apelando à existência de uma ambivalência processual e artística que não é exclusivamente criação, mas que também não é usupação discursiva e documental por parte das “Ciências da Arte”.
A RIACT tem ainda a característica específica de ter eclodido em ambiente académico e universitário, tratando, pois, de propostas de I. A. que sejam potencialmente candidatas à apreciação por pares e à discussão possível com o “outro generalizado”. Esta afirmação significa, assim, que também consideramos I. A. (embora sem finalidade aadémica) muita actividade artística que exponha publicamente um intenso processo de investigação prática, desde que essa dimensão experimental projecte e enfatize a ideia de procura incessante de sistemas paralelos, dissonantes, mas complementares.
Até agora tenho estado a referir algumas das orientações fundamentais da Revista, sendo que algumas delas já estavam subjacentes às dez edições de livros que tive o prazer de coordenar enter 2010 e 2020. Sucede que esse conjunto ininterrupto de edições se caracterizou pela confluência de múltiplos contributos em várias expressões artísticas, mas também pela edição de muitos textos marcadamente históricos, estéticos, por vezes integralmente filosóficos sobre o fenómeno artístico. Ora, é aqui que o projecto da Revista RIACT vem estabelecer uma diferença essencial em relação ao que anteriormente se verificava. Até agora, sob a designação geral de Investigação em Artes, surgiam nas edições que coordenava textos de filosofia de arte, de história de arte, entre outras proveniências das “Ciências da Arte”, misturados com textos e projectos de Investigação Artística. A partir deste momento, estes textos extra-artísticos não voltarão a misturar-se com os textos de I. A., excepto se surgirem como força paralela e integrada, mas sempre sob as condições criativas da I.A., seja no campo das artes visuais, seja das performativas, seja do entrelaçamento de ambas.
Mas há mais razões para que se tenha dado esta transformação do projecto que vinhamos conduzindo, isto é, uma mudança de edição em livro para um projecto de Revista digital, suportado por um site específico de interacção global. Há quatro meses atrás, em diálogo com uma das especialistas convidadas para a Comissão Científica deste novo projecto, surgiu a seguinte questão: por que motivo pretendia eu avançar com uma nova Revista no campo da I. A., se já existiam várias e excelentes publicações tais como a JAR, a MaHKUscript, a VIS, a RUUKKU, entre outras? Não seria redundante fazer este esforço e envolver tantas pessoas numa actividade que parece autotematizar-se excessivamente? A resposta não foi fácil. Não só pelo facto da pergunta ter sido feita com coragem e surpresa, mas também por sentir que faltava sistematizar de novo o conjunto das razões nucleares para a satisfação das dúvidas a que era submetido.
Aproveito, pois, a oportunidade gerada por aquela pergunta crucial para caracterizar um pouco mais a natureza do projecto. Um dos motivos principais pelos quais a RIACT surge é intrínseco ao próprio ambiente académico e artístico do qual a Revista emerge. Efectivamente, embora se verifique na Faculdade em que trabalho (FBAUL, Lisboa) e noutras instituições de ensino artístico superior do meu país (a FBAUP no Porto, entre outras) um aumento significativo do interesse pelas questões da I. A. seja por parte de artistas, seja de docentes de arte, não é menos verdade que ainda persistem muitos equívocos por ultrapassar e discutir, tanto em relação àqueles docentes que têm uma formação mais teórica, como em relação àqueles que têm uma vocação mais prática e um perfil mais artístico.
Portanto, sendo necessário um debate mais profundo e uma maior explicitação das identidades e das diferenças entre criação artística e investigação artística, só este motivo já justificaria a criação da RIACT, na medida em que as edições acima referidas (JAR, MaHKUscript, VIS, RUUKKU) existem em função de ambientes de I. A. muito fecundos e plurais, que não são ainda compatíveis com o modo de nos organizarmos neste canto da Península Ibérica, excepto em casos pontuais, como se tem vindo a verificar nos últimos anos.
Mas também existem outros motivos para que tenha sentido a necessidade de imprimir uma inflexão à I. A. que vinha a desenvolver e a coordenar.
A exploração do principal desígnio criativo do projecto (Revista e site), a saber, tal como se afirma no primeiro editorial da RIACT:
“Oscilação e perscrutação entre o que há de mais intersubjectivo na adesão às situações e às obras de arte, por intermédio de uma entrega comunicacional e de um labor argumentativo (escrito, falado, ou ambos), exigindo uma determinada formalização técnica, seja na sua consistência categorial, seja na espessura da sua linguagem. Mas por outro lado, talvez estar possuído, experienciando um certo estado de mania, soprados por um ritmo incessante e pendular que nos faz regressar à antepredicatividade da nossa sensibilidade, estando esta sempre aí para impor e intercalar renovados silêncios, para nos inquietar em estados — pontuais ou prolongados — de impotência discursiva, baralhando por isso tudo o que aspiramos balbuciar sobre o nosso adentramento nos fenómenos artísticos.”
http://riact.belasartes.ulisboa.pt/
Biografia
José Quaresma (1965, Santarém)
Artista plástico. Investigador em Arte e Estética.
Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 1996. Doutor em Filosofia de Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2008. Mestre em Filosofia de Arte, FLUL, 2001.
Professor Auxiliar na FBAUL (Lisboa), onde atualmente leciona: Pintura I; Modelos II; Gravura; Pensamento pictural. Desde 1997 é curador de diversos projetos artísticos, em Portugal e no estrangeiro, principalmente na área da Pintura, Instalação, Gravura Contemporânea e Projetos de Arte Pública. Desde 2008 edita e co-edita vários livros sobre Pintura, Esfera Digital, Investigação em Artes; Gravura Contemporânea; e Arte Pública. Desde 2008 tem organizado muitas conferências internacionais sobre Investigação em Artes, Arte Pública e Gravura.
Autor do projecto editorial: A Pintura Contemporânea no Barco de Teseu, volumes I, I e III, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses. Coordenador da RIACT, uma publicação digital sobre Investigação Artística. Exposições Individuais e Coletivas desde 1982.